segunda-feira, 29 de junho de 2009

Som Livre 40 anos.

Por Hugo Sukman

Aos 40 anos de idade, a Som Livre está tão ligada à história da música brasileira que foi em seus estúdios que o próprio Rei, Roberto Carlos, ensaiou e gravou a maior parte de seus discos. Ele gostava tanto dos estúdios, no bairro de Botafogo, no Rio, que os alugava todos os anos, por pelo menos três meses. Isso até alguém ter a infeliz idéia de reformar o banheiro e adorná-lo com ladrilhos... marrons. Maníaco do azul, Roberto nunca mais pôs os pés no estúdio. Em compensação...

O Roberto comprou a mesa, aliás, a maravilhosa mesa de gravação, que está no estúdio da casa dele até hoje _ ri Guto Graça Melo, diretor de produção da Som Livre na época, ainda inconformado com os ladrilhos marrons do banheiro. _ Ele levou a Som Livre para dentro de casa.

Nesses 40 anos, a vocação de fazer parte da história da música brasileira era tanta que até o mais improvável aconteceu: num caso totalmente involuntário de nepotismo, o filho do presidente da gravadora virou artista da casa. O artista era Cazuza, líder do Barão Vermelho, e o primeiro disco do grupo só saiu pela Som Livre porque Guto Graça Melo não parou de encher a paciência de João Araújo.

Eu cheguei a proibir a entrada do Guto na minha sala, porque quando ele entrava me convencia de qualquer coisa _ lembra João Araújo. _ Lançar o Cazuza foi inevitável. O Guto e o Ezequiel Neves me convenceram. Mas eu queria preservá-lo da acusação de ter gravado só porque era filho do presidente.

Nesses 40 anos, a ânsia por descobrir a nova música brasileira era tanta que certo dia Caetano Veloso ligou da Bahia para João Araújo: "Escuta, o melhor que ouvi da minha temporada aqui é um grupo chamado Novos Baianos, você os recebe aí no Rio?". Se o Caetano falou...

No outro dia, estavam na porta da minha casa Moraes Moreira, Pepeu, Baby... Tudo bem, vocês são maravilhosos, mas vocês têm onde ficar? Eles ficaram dias acampados na sala da minha casa, e Cazuza, criança, enchia do saco do Moraes para tocar "Preta pretinha"... _ lembra João do início da carreira de um dos mais importantes grupos da história da música brasileira.

São muitas as histórias desde quando, nos últimos dias de 1969, João Araújo recebeu um telefonema do Ministério da Fazenda, com alguém informando uma seqüência de números que ele anotaria a lápis num pedaço rasgado de papel. Era o CGC provisório da gravadora Som Livre, que a TV Globo chamara João, já então um experimentado executivo do disco, para criar.

Esse papel rasgado é a certidão de nascimento de uma gravadora que produziria e lançaria todas as centenas de trilhas sonoras de novelas, séries, festivais, shows infantis e demais programas produzidos pela TV Globo a partir de 1971. É uma trajetória singular: uma gravadora que nasceu para lança trilhas, ou seja, ultra-especializada, que aos poucos vai se abrindo, talvez por força da música brasileira, a trabalhar com artistas de diferentes matizes.

Seria uma gravadora que lançaria novos artistas, como Djavan, Alceu Valença ou Os Novos Baianos, ou trabalharia momentos fecundos da carreira de artistas consagrados como Jorge Ben e Rita Lee. Que lançaria discos de vanguarda de artistas de prestígio como Sidney Miller, Tuca, Osmar Milito, ou venderia milhões de discos com ídolos populares como Xuxa. Que faria discos com artistas extremamente sofisticados como Francis Hime ou populares como Elymar Santos. Que seria ela própria uma gravadora de sucesso, mas que basicamente trabalhasse em parceria com as outras gravadoras, ajudando a popularizar seus artistas através do poder de sedução das novelas.

O Ano 40

Em 2009, a Som Livre comemora 40 anos fazendo o que sempre fez em seus 40 anos: lançando discos. E totalmente coerentes com sua história. Artista consagrado? Em abril saiu o novo CD de Nana Caymmi, "Sem poupar coração", boleros, sambas-canções, sofisticadas canções de amor com a marca da cantora. Artista novo? Em maio sai o primeiro CD de Maria Gadú, surpreendente cantora, compositora, violonista que incorpora influências da música clássica de sua infância, da música brasileira de sempre e da música pop de hoje.

Para comemorar, a Som Livre lançou um CD duplo com a obra de Djavan, talvez o primeiro grande artista lançado pela gravadora. Descoberto por João Araújo apresentando-se numa boate, Djavan começou cantando em trilhas de novelas a partir de 1973, até lançar seu primeiro LP autoral em 1976 e seus primeiros mega-sucessos, "Flor-de-lis" e "Fato consumado". No novo CD duplo, meia MPB masculina canta a obra de Djavan em "Por eles", e meia MPB feminina faz o mesmo em "Por elas". Em maio sai o "Por eles e por elas" de Chico Buarque.

Ainda em abril saiu outro carro-chefe da história da gravadora, uma caixa com oito CDs de uma das mais bem sucedidas séries da história do disco no Brasil, "Xuxa só para baixinhos", oito discos com esse título lançados pela apresentadora.

As Novelas

Os três primeiros discos lançados pela Som Livre consagravam não apenas uma nova gravadora, mas principalmente uma nova forma de produzir e lançar as trilhas das novelas da Rede Globo, que naquela época começavam a conquistar de vez o coração do público brasileiro.

Lançada em março de 1971, a trilha de "O Cafona" foi o primeiro disco da Som Livre. Na capa, o rico e brega empresário vivido por Francisco Cuoco na novela que misturava aristocratas decadentes, novos ricos, hippies e artistas de vanguarda. O segundo disco seria lançado um mês depois: a trilha da romântica "Minha doce namorada", com o galã Claudio Marzo e a "namoradinha do Brasil", Regina Duarte, estampando a capa. Um Tarcísio Meira de perfil, olhando para o céu, aparecia na capa de "O homem que deve morrer", o terceiro álbum.

Os três álbuns traziam canções compostas por mestres da música brasileira (Carlos Lyra, Roberto Menescal), por jovens já com fama de gênios (Dori Caymmi, Marcos Valle, Edu Lobo, Aldir Blanc, Ivan Lins, Antonio Adolfo, Torquato Neto, Gonzaguinha, é mole?) e revelações (Sá, Zé Rodrix e Guarabira, Antonio Carlos e Jocafi, Octavio Bonfá, Reginaldo Bessa).

A partir daí, a Som Livre não parou mais de produzir e lançar trilhas sonoras. No início, eram coletivas: vários compositores tinham a incumbência de transformar personagens e situações em música. Depois, muitos dos maiores compositores brasileiros trabalharam trilhas inteiras. Gente como Roberto Carlos e Erasmo ("O bofe"), Raul Seixas e Paulo Coelho ("O rebu"), Tom Jobim ("O tempo e o vento"), Baden Powell e Paulo César Pinheiro ("O semi Deus"), Marcos e Paulo Sérgio Valle ("Os ossos do barão", "Vila Sésamo"), Antonio Carlos e Jocafi ("O primeiro amor", "Supermanoela"), Toquinho e Vinicius de Moraes ("O bem amado"), entre outros.

Convocado em cima da hora para produzir a trilha de "Pecado Capital" (1976), Guto Graça Mello mudaria para sempre o mecanismo de produção das trilhas. Com menos de uma semana de prazo, o produtor impôs uma condição: poder garimpar nos catálogos de outras gravadoras canções que fossem adequadas ao enredo da novela, contrariando a norma que exigia trilhas feitas sob encomenda. A exceção seria a canção-título composta e gravada por Paulinho da Viola, em cerca de 24 horas, para a abertura. Botar música nas novelas e programas da TV tornou-se uma das formas mais eficientes de se popularizar música no país e a Som Livre virou parceira das majors.

Veterano da indústria fonográfica, que trabalhou como técnico e produtor por 14 anos na Som Livre, e depois em outras companhias de discos, Max Pierre testemunhou a mudança de mercado que a gravadora provocou. Segundo ele, antes da Som Livre, e sobretudo das trilhas de novelas, a música brasileira ocupava apenas 30% do mercado, contra 70% de música estrangeira.

"Como sucesso das trilhas sonoras nacionais, isso se inverteu. Depois de 14 anos na Som Livre, pude constatar que a música brasileira tinha 70% do mercado. Não tenho dúvida que a qualidade da música de novela, aliada à grande janela que as novelas representam são responsáveis por isso".

A Pré-História

Os três primeiros discos lançados pela Som Livre consagravam não apenas uma nova gravadora, mas principalmente uma nova forma de produzir e lançar as trilhas das novelas da Rede Globo, que naquela época começavam a conquistar de vez o coração do público brasileiro.

É impossível precisar o que veio primeiro. Na TV Globo, Daniel Filho assumia o cargo de diretor geral das novelas e buscava modernizá-las, assim como suas trilhas, que até então eram colocadas pelos próprios sonoplastas, em geral música clássica, sem critérios de seleção. Na gravadora Philips, André Midani, que já tinha trabalhado como diretor da Capitol no México, onde as trilhas feitas especialmente para os folhetins faziam enorme sucesso, intuiu: se lá é assim, imagina aqui no Brasil, com toda a força da música brasileira e das novelas da TV Globo. Midani e o jovem letrista e produtor Nelson Motta ofereceram à emissora a produção das trilhas com artistas do cast da Philips, que venderia os discos enquanto a emissora usava seu canhão de divulgação. Assim foram produzidas: "Véu de noiva", "Verão vermelho", "Pigmalião 70", "Irmãos coragem", "Assim na terra como no céu" e "A próxima atração".

O sucesso nas vendas, que passavam ou beiravam as cem mil cópias, uma enormidade para a época, levaram a Globo a abrir sua própria gravadora. A inspiração para o nome veio de um programa da TV Globo na época, Som Livre Exportação, que reunia jovens cantores, compositores e instrumentistas brasileiros. Assim, nascia a Som Livre, gravadora que celebra em 2009 quatro décadas de uma trajetória repleta de trilhas sonoras e artistas que marcaram, marcam e continuarão marcando a história da música no Brasil.

Postado por: Leisa Ribeiro
Fonte: Som Livre

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